quarta-feira, 11 de junho de 2014

Consagração de mulheres ao pastorado - Uma análise bíblico-histórico

Este é um tema complexo, porque, admitem alguns, a proibição da função da mulher como pastora ou líder na igreja tem forte conteúdo cultural dos judeus e da sociedade greco-romana. Se Deus trata cada povo em sua cultura – estes se perguntam – por que não poderia agir diferente com a evolução cultural ocidental? O tema é complexo porque leva o exegeta a encaixar seu posicionamento seguindo as regras da hermenêutica bíblica, que inclui o exame léxico (etimologia das palavras), sintático (princípios gramaticais do idioma), contextual e histórico de um povo, e nem todos conseguem palmilhar por essa senda sem cometer erros; nem o mais aprimorado intérprete bíblico.
Vale ressaltar que na maioria das igrejas que titulam mulheres ao ministério são seus maridos que, como apóstolos, bispos ou pastores exercem o governo da igreja e, tem na esposa uma ajudadora. A presença de mulher com título e exercício de autoridade ministerial é comum na maioria das igrejas históricas e neopentecostais.
Um dos argumentos dos que se opõem aos títulos ministeriais dados às mulheres é a alegação de que o “sacerdócio” foi dado aos homens; ora, esta defesa esbarra no fato de que no NT não existe mais a função sacerdotal e que todos os crentes são levitas e sacerdotes no reino de Deus. Portanto, fica anulada a tese de que o pastor é o “sacerdote”. Outros ainda defendem o pastoreio de mulheres argumentando que as igrejas que elas pastoreiam são bem melhores que aquelas pastoreadas por homens e, que, mesmo as pastoreadas por homens precisam do toque feminino delas na beleza ambiental.
I. As mulheres na tradição judaica do Antigo Testamento.
Não se pode trazer para o contexto atual o Antigo Testamento como base para tal assunto, porque lá também se veem casos positivos e negativos. Existe o misterioso caso de Seerá, que viveu no período patriarcal, filha de Efraim que construiu três cidades, enquanto seus dois irmãos morreram porque eram ladrões de gado (1 Cr 7.24). Débora, mulher de Lapidote era profeta e juíza em Israel (Jz 4.4 e ss.), mas não se pode tomar o caso de Débora como normalidade; ela foi uma exceção numa época em que “não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava reto” (Jz 21.25).
Assim como no AT se tem exemplos positivos de mulheres com boa governança, tem-se também exemplos negativos, como Jezabel e Atalia que eram más e perversas; mas, também homens perversos ocuparam o trono de Israel. Salomão, no fim da vida se tornou tão perverso quanto as mulheres que lhe perverteram a vida espiritual levando-o a adorar e a sacrificar aos deuses de suas esposas (1 Rs 11.1-8).
II. As mulheres na época de Cristo
No Novo Testamento as mulheres acompanharam a Jesus durante todo o seu ministério, servindo-o com seus bens (Lc 8.1-3), estiveram com ele na sua morte e ressurreição (Jo 19.25; 20.1,11) e receberam o Espírito Santo no dia de Pentecoste (At 1.14), este último fato indica uma mudança de comportamento social e espiritual da época profetizado por Joel.
Jesus redimiu a mulher da posição inferior no reino espiritual, por isso Paulo cita que “... todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-28).
Este é um posicionamento espiritual, não de governo. Alguns tomam este texto, fora de seu contexto para defender que todos são iguais “na posição de governo” perante Deus.
III. A ordenação de mulheres na Igreja primitiva: Os apóstolos e a posição da mulher na vida da igreja
Assim como as mulheres ajudaram a Jesus em seu ministério, nos primeiros dias da igreja elas foram incansáveis companheiras dos apóstolos.
As mulheres são vistas no livro de Atos e nas epístolas colaborando com a expansão do reino, mas não se tem casos delas assumindo o governo da igreja. Acredita-se que Lídia, a vendedora de púrpura convertida à beira do rio pela pregação de Paulo tenha sido quem primeiro falou de Jesus e deu início à igreja de Tiatira, mas não foi a ela que Jesus se dirigiu na carta do Apocalipse. Priscila, ao lado de seu marido muito colaborou com Paulo, aliás, hospedou-o em sua casa, e juntos dividiam a mesma profissão. Mas não se vê Priscila agindo sozinha, mas sempre em companhia do marido (At 18.1, 24-28).
Que os apóstolos andavam acompanhados de uma mulher é visto na defesa que Paulo faz de querer também viajar acompanhado de uma delas, uma mulher irmã, esposa ou não, conforme a interpretação de alguns, pela margem que a palavra grega permite (1 Co 9.5), o que se pode afirmar com segurança a participação de mulheres na vida da igreja e nas viagens ao lado dos apóstolos. Se Pedro e os irmãos de Jesus podiam viajar acompanhados de mulher – pergunta Paulo – por que ele e Barnabé eram criticados quando assim procediam? Portanto, o que está em evidência aqui é a necessidade de uma mulher companheira, e não a posição de autoridade governamental nem o exercício de dons que as mulheres recebiam de Deus e compartilhavam na igreja. 

Paulo e a ordenação de mulheres

A contrariedade de Paulo quanto as mulheres falarem em público deve ser analisada exegeticamente, porque Paulo escreve a Timóteo tratando a respeito da igreja de Éfeso, e, possivelmente lá estava Priscila e seu esposo Áquila (Ver 1 Tm 2.9-15) e também em relação a Corinto, um caso especial de mulheres na igreja (1 Co 14.34-35).
O comentarista Mathew Henry comentando o texto de 1 Tm 2.9-15 coloca o tema nestes termos:
É uma ordem apostólica: As mulheres devem ser modestas, sóbrias, silentes e submissas na igreja.
1. Devem se vestir com modéstia, sem vestimentas espalhafatosas ou caras (é possível fazer uma leitura de uma mulher pela sua aparência, se ela é vaidosa e orgulhosa), porque possuem ornamentos melhores que são a piedade e as boas obras. Em vez de gastar seu dinheiro em vestes caríssimas, deveriam gastá-lo em obras de piedade e caridade, que são as boas obras.
  2. As mulheres devem aprender os princípios da fé, aprender de Cristo e das Escrituras.
 3. Devem ficar em silêncio, submissas e sujeitas, não usurpando a autoridade. A razão deste mandamento é porque Adão foi formado primeiro e depois Eva, o que denota subordinação e dependência dele. Ela foi tirada de Adão para lhe servir de ajudadora.  A base de sua submissão, não é porque foi criada depois, e, sim o fato de que foi a primeira a transgredir.
“Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2 Co 11.3). A sentença da submissão ao marido veio sobre a mulher por causa de sua transgressão. “E à mulher disse: o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). E aqui tem uma palavra de conforto à mulher, de que aquelas que viverem sobriamente serão preservadas: “Todavia, será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em fé, e amor, e santificação, com bom senso” (1 Tm 2.15).
O Centro Apologético Cristão de Pesquisas traz ainda mais luz sobre este tema:

Vejamos com mais detalhes alguns dos pontos mais decisivos de 1 Timóteo 2.12: Primeiro, Paulo diz não permitir que a mulher ensine nas igrejas. Ensinar, no Novo Testamento é uma atividade bem ampla. Todos os cristãos podem ensinar, quer, por exemplo, quer pelo seu testemunho, quer em conversação. O próprio apóstolo determina que as mulheres idosas ensinem as mais novas a amarem seus maridos (Tt 2.3-5). Assim, fica claro que Paulo não está passando uma proibição geral. Mas, então, o que ele está proibindo? Transparece do texto que ele não permite que a mulher, ocupe uma posição de autoridade para ensinar os homens. Nas Cartas Pastorais, ensinar sempre tem o sentido restrito de instrução doutrinária autoritativa, feita com o peso da autoridade oficial dos pastores e presbíteros (1 Tm 4.11; 6.2; 5.17). Ao que tudo indica, algumas mulheres da igreja de Éfeso, insufladas pelo ensino dos falsos mestres, estavam querendo essa posição oficial para ensinar nas assembléias cristãs. Paulo, porém, corrige a situação determinando que elas não assumam posição de liderança autorizada nas igrejas, para ensinarem doutrina cristã nos cultos, onde certamente homens estariam presentes. Paulo não está proibindo todo e qualquer tipo de ensino feito por mulheres nas igrejas. Profetizas na igreja apostólica certamente tinham algo a dizer aos homens durante os cultos.
Para o apóstolo, a questão é o exercício de autoridade sobre homens, e não o ensino. O ministério didático feminino, exercido com o múnus (função) da autoridade que ofícios de pastor e presbítero emprestam, seria uma violação dos princípios que Paulo percebe na criação e na queda. O ensinar que Paulo não permite é aquele em que a mulher assume uma posição de autoridade eclesiástica sobre o homem. Isso é evidente do fato que Paulo fundamenta seu ensino nas diferenças com que homem e mulher foram criados (v. 13), e pela frase “autoridade sobre o homem” (v. 12b). Um equivalente moderno seria a ordenação como ministro da Palavra, para pregar a Palavra de Deus numa igreja local.
3. O que Paulo quer dizer com “exercer autoridade”?
E continua a análise:
Isto nos leva ao ponto seguinte. Paulo diz também não permitir que a mulher exerça autoridade sobre o homem (1 Tm 2.12 – versão corrigida). A proibição de exercer autoridade sobre os homens exclui as mulheres do ofício de presbítero, que é essencialmente o de governar e presidir a casa de Deus (1 Tm 3.4-5; 5.17), embora não as exclua de exercer outras atividades nas igrejas.

Resumindo:
Para apoiar o ministério de mulheres como líder da igreja há que se passar por cima de uma série de textos bíblicos:
1. Paulo ordenou apenas homens ao presbitério (At 14.23).
2. Nenhuma mulher foi chamada pelo Espírito Santo para acompanhar Paulo e Barnabé (At 13.1-3). Se bem que, mais tarde, Paulo gostaria de ter uma mulher consigo (1 Co 9.5-6).
3. O Espírito Santo constituiu bispos e não “bispas” [episcopisa] (At 20.28).
4. Em Filipos existe a menção de bispos e diáconos, e não há menção de “bispas” [episcopisas] e diaconisas (Fp 1.1).
5. Paulo não ensinou ordenação de mulheres (1 Tm 3.1-5).
6. A ordenação ao ministério era realizada por intermédio do presbitério, que era composto de homens (1 Tm 4.14; 5.17,22).
7. Em Creta apenas homens foram prescritos para o presbitério (Tt 1.5).
8. Pedro não menciona mulheres presbíteras em suas cartas (1 Pe 5.1-4).
9. Tiago não incluiu as mulheres entre os presbíteros, para fazerem orações de fé (Tg 5.14).
10. O livro de Hebreus também não menciona mulheres entre os pastores (Hb 13.7,17).
 Historicidade:
1. A igreja Anglicana do Brasil começou a consagrar mulheres em 1944 em Hong Kong. No Brasil começou em 1985, mas o processo e estudos para a consagração de mulheres começou em 1973.
2. A igreja Metodista do Brasil ordena mulheres ao ministério desde 1970.
3. A igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil começou a consagrar mulheres em 1983.
4. A Igreja Evangélica Luterana – IELB – não consagra mulheres.
5. Igreja Presbiteriana do Brasil não consagra mulheres.
6. A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil consagra mulheres desde 1999.
7. A Convenção Batista Nacional estuda a possibilidade de consagração de mulheres ao pastorado em conferência prevista para agosto.
8. A Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil – CGADB – rejeitou em 2011 a consagração de mulheres, mas uma convenção estadual do Distrito Federal consagra mulheres.
9. Já a Assembleia de Deus Ministério de Madureira consagrou compulsoriamente as esposas dos pastores presidentes.
Conclusão:
Como agir diante da situação em que se encontra a igreja atual? A opinião deste articulista é que se deve incentivar a participação de mulheres na vida da igreja, visto que elas participavam ativamente da igreja nos dias apostólicos, sem ignorar que as igrejas atuais em que as mulheres exercem ofício ministerial ao lado de seus esposos como ajudadoras, independentes de terem título ministerial ou não, comumente são prósperas e equilibradas. A questão aqui não é o uso de títulos ministeriais usado por mulheres e homens, mas questão de governo. Títulos apenas enobrecem o indivíduo; o que fazem com dedicação enobrece a Deus.
Fica aqui a sugestão de que o tema seja avaliado com honestidade por aqueles que são contra ou a favor da ordenação de mulheres ou da participação delas na vida da igreja, e que sejam respeitadas as igrejas que, em sua exegese decidiram pela presença da mulher no ministério, tanto ao lado de seus esposos ou não. Uma radicalização do tema, sem respeito ao posicionamento dos líderes que optam por terem mulheres com títulos ministeriais pode causar danos à unidade do corpo de Cristo.
Afinal, não está em jogo aqui a salvação, mas a ordem na igreja.


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