terça-feira, 27 de outubro de 2015



Flashes da História da Igreja

O surgimento dos movimentos místicos.


“No século doze o espírito de profecia irrompeu simultaneamente nos conventos do Reno e no sul da Itália”, afirma Philip Schaff (Vol. V p 182). Assim começa a descrição de Schaff a respeito do início do movimento profético que ao longo dos anos haveria de culminar com a Reforma Protestante. Antes de Lutero, iniciando-se neste tempo, um movimento de avivamento ocorreu em toda Europa tentando colocar a Igreja novamente na trilha dos Pais do Novo Testamento.

Precisamos visualizar o período que vai de 1.100 a 1530 quando ocorreu a reforma protestante. Um movimento profético dentro da igreja minou o poderio e a força da instituição romana. O leitor deve analisar este período levando em conta que só existiam duas igrejas no mundo: a igreja Oriental ou Ortodoxa que se separou de Roma, conhecida como Igreja do Oriente e a igreja de Roma, que adotou o papado, conhecida como igreja do Ocidente. Em relação a segunda, todo e qualquer movimento espiritual que não obedecesse aos dogmas e normas da igreja romana era tido como herege, e portanto perseguido.

No entanto, foi dentro deste ambiente que pode ser visto o remanescente da igreja. Ainda que perseguidos irmãos e irmãos de todos os níveis sociais não abandonaram suas crenças, sendo perseguidos e mortos. Muitos  tiveram suas terras confiscadas pela igreja e tiveram que fugir de seus países, para serem novamente perseguidos noutras regiões.

É neste período que encontramos a figura de uma mulher que recebia do Espírito Santo revelações para a igreja da época. Convém lembrar que na ocasião, Roma ditava as doutrinas e preceitos da igreja com mão de ferro levando à forca e à fogueira os que considerava hereges. Para Roma, o movimento profético daquele período era herege e sectário e a Igreja perseguia todos quantos não andavam conforme sua linha doutrinária. Era um período negro na história da igreja e a cúpula de Roma vivia envolvida na riqueza e luxúria havendo abandonado a simplicidade da fé e da vida cristã.  Dentro deste negro quadro da história surgiu naqueles anos o movimento profético, e não titubeamos em afirmar que Francisco de Assis procede deste quadro espiritual. Enquanto ele é venerado como um santo, todos os demais da época foram tidos como hereges.

Alguns dos expoentes proféticos daquele tempo que rejeitavam e denunciavam a corrupção do clero foram Hildegard de Bingen, Elizabete de Schoenau e Joaquim, abade de Flore. Essas pessoas foram precursoras de um movimento profético que daria origem, anos depois a um movimento paralelo que agiria dentro da igreja de Roma, com líderes que não mais obedeciam as ordens de bispos e do Papa. Tais pessoas deram origem ao grande mover de Deus que afetaria Wicliff na Inglaterra e João Hus na Boêmia, pais espirituais dos Brethrem ou “irmãos” cujos remanescentes permanecem ainda entre nós na forma de diversas denominações ou grupos não denominacionais evangélicos.

Hildegard que viveu de 1098 a 1179 no convento beneditino de Disebodenberg, próximo de Bingen no Reno era mulher proeminente naqueles dias. Outra mulher, Heloisa era também muito conhecida, mas não por seu trabalho na igreja e sim por ligação com Abelardo. Juntamente com Elizabete de Turingia eram as mulheres mais proeminentes daqueles dias.  (M.Paris em Luard´s Ed. V 195 In Philip Schaff Vol V p 26). Documentos históricos indicam que era uma mulher de compleição física enferma, e ela mesma declarava ser o vaso divino para receber as visões de Deus desde tenra idade. Numa das cartas que escreveu a Bernardo de Clairvaiux (líder espiritual francês), ela afirma que tinha visões de Deus “não com os olhos físicos, mas com os olhos espirituais, com seu conhecimento interior” (Scivias, I. Praefatio, Migne, 197, 384).

Enquanto o clero se prostituía espiritualmente, o Espírito Santo levantava por toda a Europa homens e mulheres dando-lhes ouvidos espirituais e ousadia para agir dentro de uma igreja atarracada e corrompida em todos os sentidos. Hildegarde escreveu que quando tinha quarenta e dois anos de idade, uma forte e intensa luz surgiu do céu que se abriu sobre ela, entrou por seu cérebro, e penetrou em seu coração e peito como uma chama de fogo. O que via não era em sonhos nem enquanto dormia ou em transe nem em lugares ocultos, mas enquanto estava acordada e com plena consciência, usando seu ouvido e olhos interior conforme a vontade de Deus.  Bernardo de Clairvaux conhecia sua fama por receber tantos segredos divinos.

Naquela época surgia no sul da França um movimento considerado herege pela igreja entre os Albigenses colocado na cronologia da história da igreja como 1215. Anos, antes (ao redor de 1148) Hildegarde lamentava a precária condição do clero e anunciou que os Cátaros seriam usados para sacudir e purificar o cristianismo levando as pessoas a buscarem a salvação, não nos padres, mas em Cristo Jesus.

A partir dessa época – conhecida como era dos místicos – o fervor profético tomou conta da Europa. Não devemos esquecer que na mesma época na Irlanda viveu um abade místico com grandes manifestações do poder e cujas profecias sempre se cumpriram ao longo da história. Trata-se de São Malaquias poderoso fiel que profetizou o dia e local de sua morte que haveria de ocorrer em Clairvaux, no dia de finados. Apesar de não estar enfermo, como atestavam os médicos, morreu aos 54 anos nos braços de seu amigo Bernardo de Clairvaux. Malaquias ficou conhecido na história da igreja pelas profecias que fez sobre os papas em 1139 quando de sua visita a Bernardo de Clairvaux, ocasião em que  descreveu cada papa de 1143 até nossos dias e além. Naquele tempo o Papa era Inocêncio II (1130-1143). Até hoje, cada Papa da história segue o nome que ele deu em suas visões na Irlanda (Mais sobre ele pode ser lido em meu artigo “Os últimos Papas da História”).

Nós que vivemos numa época de grande burburinho espiritual em que a igreja parece haver perdido sua identidade espiritual precisamos recorrer a história para ver a ação do Espírito Santo na renovação da igreja.

Elizabeth of Schoenau, que morreu em 1.165 aos trinta e seis anos de idade era também uma mística contemporânea de Hildeberge e com ela trocava idéias. Também escreveu e conhecia pessoalmente a Bernardo de Clairvaux apesar de residir na Alemanha.

Dentro os vários profetas e místicos que surgiram na época, destaque-se Joaquim de Flor que morreu em 1202. Joaquim influenciou grandemente o sul da Europa através de seus escritos, especialmente pela interpretação que deu a uma ala da ordem fransciscana. Tal influência pode ser vista quando Ricardo, Coração de Leão estava na Sicília a caminho da Palestina. Ouvindo a fama de Joaquim, Ricardo o procurou em 1190. O abade interpretou para ele as profecias do Apocalipse afirmando que o anticristo já tinha nascido e que em breve seria elevado ao apostolado, levantando-se contra tudo o que é de Deus (De Hovedem, tradução inglesa, Vol II p 177). Enquanto viveu, Joaquim era tido como um profeta entre os seus pares.

Joaquim foi para aquela época, o que muitos profetas são em nossos dias. Ele se dedicou a interpretar historicamente as Escrituras. A respeito disso escreveu Philip Schaff:

Interligadas com as profecias aparecem as teorias de Joaquim sobre o desenvolvimento da história.  A era do Antigo Testamento teve seu auge e vigor e da mesma forma o Novo Testamento. Mas uma terceira era haveria de surgir. A base para esta teoria dos três períodos pode ser encontrada  na comparação do Antigo e Novo Testamento que revela o paralelismo entre os períodos da história do povo de Israel e os períodos da história da igreja. Tal paralelismo foi-lhe revelado numa noite de Páscoa e veio-lhe clara como a luz do dia.
A primeira das três Era foi a era do Pai, a segunda a do Filho – dos Evangelhos e dos sacramentos, e a terceira, a era do Espírito Santo que ainda haveria de vir. As três épocas eram representadas por Pedro, Paulo e João. A primeira a era da Lei, a segunda a da graça e a terceira de mais graça. A primeira ficou caracterizada pelo medo, a segunda pela fé e a terceira marcada pela caridade. A primeira foi a era dos servos, a segunda dos libertos, e a terceira dos amigos. A primeira trouxe água, a segunda vinho e a terceira óleo. A primeira foi a era dos casamentos e corresponde à carne; a segunda a dos sacerdotes, com os elementos de carne e Espírito mesclados; a terceira a dos monges, e era deveria ser completamente espiritual. Cada uma destas épocas tinha um começo, uma maturidade e um fim. A primeira começou com Adão e teve seu pico de maturidade em Abraão. A segunda começou nos dias de Elias e teve sua maturidade em Cristo. A terceira começou nos dias de São Benedito no sexto século. E sua maturidade estava acontecendo nos dias do próprio Joaquim. O cumprimento teria início em 1260 (Philip Schaff Vol. V p 184).    

Joaquim não era um sectário nem reformador, e costumava ser enérgico contra os vícios de Roma, e, como diz Schaff “era um místico vidente que estudava a Bíblia com muita paciência, e via no futuro a perfeita realização da Igreja espiritual, fundada por Cristo, livre dos formalismos e das disputas sangrentas pelo poder”. Anos depois vários religiosos sofreram por manter e defender os ensinamentos desse profeta, entre eles Gerardo de Borgo San Domino que escreveu precipitadamente um tratado intitulado Introdução ao Evangelho Eterno em que expunha os ensinamentos de Joaquim, declarando que os escritos de Joaquim eram, por si mesmos, o código do evangelho eterno, e que tinha a autoridade para a terceira era, assim como o Antigo e Novo Testamentos eram autoridades para as eras do Pai e do Filho. Tal fato gerou muita perseguição por um dos inimigos dos franciscanos, Willian de Sto. Amour e redundou na prisão de Gerardo que veio a falecer em sua masmorra dezoito anos depois.

Em 1263 o sínodo condenou os escritos de Joaquim que foi, por assim dizer, o profeta do milênio da idade média.