Flashes da História da Igreja
O surgimento dos movimentos místicos.
“No século
doze o espírito de profecia irrompeu simultaneamente nos conventos do Reno e no
sul da Itália”, afirma Philip Schaff (Vol. V p 182). Assim começa a descrição
de Schaff a respeito do início do movimento profético que ao longo dos anos
haveria de culminar com a Reforma Protestante. Antes de Lutero, iniciando-se
neste tempo, um movimento de avivamento ocorreu em toda Europa tentando colocar
a Igreja novamente na trilha dos Pais do Novo Testamento.
Precisamos
visualizar o período que vai de 1.100 a 1530 quando ocorreu a reforma
protestante. Um movimento profético dentro da igreja minou o poderio e a força
da instituição romana. O leitor deve analisar este período levando em conta que
só existiam duas igrejas no mundo: a igreja Oriental ou Ortodoxa que se separou
de Roma, conhecida como Igreja do Oriente e a igreja de Roma, que adotou o
papado, conhecida como igreja do Ocidente. Em relação a segunda, todo e
qualquer movimento espiritual que não obedecesse aos dogmas e normas da igreja
romana era tido como herege, e portanto perseguido.
No entanto,
foi dentro deste ambiente que pode ser visto o remanescente da igreja. Ainda
que perseguidos irmãos e irmãos de todos os níveis sociais não abandonaram suas
crenças, sendo perseguidos e mortos. Muitos
tiveram suas terras confiscadas pela igreja e tiveram que fugir de seus
países, para serem novamente perseguidos noutras regiões.
É neste
período que encontramos a figura de uma mulher que recebia do Espírito Santo
revelações para a igreja da época. Convém lembrar que na ocasião, Roma ditava
as doutrinas e preceitos da igreja com mão de ferro levando à forca e à
fogueira os que considerava hereges. Para Roma, o movimento profético daquele
período era herege e sectário e a Igreja perseguia todos quantos não andavam
conforme sua linha doutrinária. Era um período negro na história da igreja e a
cúpula de Roma vivia envolvida na riqueza e luxúria havendo abandonado a
simplicidade da fé e da vida cristã.
Dentro deste negro quadro da história surgiu naqueles anos o movimento
profético, e não titubeamos em afirmar que Francisco de Assis procede deste
quadro espiritual. Enquanto ele é venerado como um santo, todos os demais da
época foram tidos como hereges.
Alguns dos
expoentes proféticos daquele tempo que rejeitavam e denunciavam a corrupção do
clero foram Hildegard de Bingen, Elizabete de Schoenau e Joaquim, abade de
Flore. Essas pessoas foram precursoras de um movimento profético que daria origem,
anos depois a um movimento paralelo que agiria dentro da igreja de Roma, com
líderes que não mais obedeciam as ordens de bispos e do Papa. Tais pessoas
deram origem ao grande mover de Deus que afetaria Wicliff na Inglaterra e João
Hus na Boêmia, pais espirituais dos Brethrem ou “irmãos” cujos remanescentes
permanecem ainda entre nós na forma de diversas denominações ou grupos não
denominacionais evangélicos.
Hildegard que
viveu de 1098 a 1179 no convento beneditino de Disebodenberg, próximo de Bingen
no Reno era mulher proeminente naqueles dias. Outra mulher, Heloisa era também
muito conhecida, mas não por seu trabalho na igreja e sim por ligação com
Abelardo. Juntamente com Elizabete de Turingia eram as mulheres mais
proeminentes daqueles dias. (M.Paris em Luard´s Ed. V 195 In Philip Schaff Vol V p 26). Documentos
históricos indicam que era uma mulher de compleição física enferma, e ela mesma
declarava ser o vaso divino para receber as visões de Deus desde tenra idade.
Numa das cartas que escreveu a Bernardo de Clairvaiux (líder espiritual
francês), ela afirma que tinha visões de Deus “não com os olhos físicos, mas
com os olhos espirituais, com seu conhecimento interior” (Scivias, I. Praefatio, Migne, 197, 384).
Enquanto o
clero se prostituía espiritualmente, o Espírito Santo levantava por toda a
Europa homens e mulheres dando-lhes ouvidos espirituais e ousadia para agir
dentro de uma igreja atarracada e corrompida em todos os sentidos. Hildegarde
escreveu que quando tinha quarenta e dois anos de idade, uma forte e intensa
luz surgiu do céu que se abriu sobre ela, entrou por seu cérebro, e penetrou em
seu coração e peito como uma chama de fogo. O que via não era em sonhos nem
enquanto dormia ou em transe nem em lugares ocultos, mas enquanto estava acordada
e com plena consciência, usando seu ouvido e olhos interior conforme a vontade
de Deus. Bernardo de Clairvaux conhecia
sua fama por receber tantos segredos divinos.
Naquela época
surgia no sul da França um movimento considerado herege pela igreja entre os
Albigenses colocado na cronologia da história da igreja como 1215. Anos, antes
(ao redor de 1148) Hildegarde lamentava a precária condição do clero e anunciou
que os Cátaros seriam usados para sacudir e purificar o cristianismo levando as
pessoas a buscarem a salvação, não nos padres, mas em Cristo Jesus.
A partir
dessa época – conhecida como era dos místicos – o fervor profético tomou conta
da Europa. Não devemos esquecer que na mesma época na Irlanda viveu um abade
místico com grandes manifestações do poder e cujas profecias sempre se
cumpriram ao longo da história. Trata-se de São Malaquias poderoso fiel que
profetizou o dia e local de sua morte que haveria de ocorrer em Clairvaux, no
dia de finados. Apesar de não estar enfermo, como atestavam os médicos, morreu
aos 54 anos nos braços de seu amigo Bernardo de Clairvaux. Malaquias ficou
conhecido na história da igreja pelas profecias que fez sobre os papas em 1139
quando de sua visita a Bernardo de Clairvaux, ocasião em que descreveu cada papa de 1143 até nossos dias e
além. Naquele tempo o Papa era Inocêncio II (1130-1143). Até hoje, cada Papa da
história segue o nome que ele deu em suas visões na Irlanda (Mais sobre ele
pode ser lido em meu artigo “Os últimos Papas da História”).
Nós que
vivemos numa época de grande burburinho espiritual em que a igreja parece haver
perdido sua identidade espiritual precisamos recorrer a história para ver a
ação do Espírito Santo na renovação da igreja.
Elizabeth of Schoenau, que morreu em 1.165 aos
trinta e seis anos de idade era também uma mística contemporânea de Hildeberge
e com ela trocava idéias. Também escreveu e conhecia pessoalmente a Bernardo de
Clairvaux apesar de residir na Alemanha.
Dentro os vários profetas e místicos que surgiram
na época, destaque-se Joaquim de Flor que morreu em 1202. Joaquim influenciou
grandemente o sul da Europa através de seus escritos, especialmente pela
interpretação que deu a uma ala da ordem fransciscana. Tal influência pode ser
vista quando Ricardo, Coração de Leão estava na Sicília a caminho da Palestina.
Ouvindo a fama de Joaquim, Ricardo o procurou em 1190. O abade interpretou para
ele as profecias do Apocalipse afirmando que o anticristo já tinha nascido e
que em breve seria elevado ao apostolado, levantando-se contra tudo o que é de
Deus (De Hovedem, tradução inglesa, Vol II p 177). Enquanto viveu, Joaquim era
tido como um profeta entre os seus pares.
Joaquim foi
para aquela época, o que muitos profetas são em nossos dias. Ele se dedicou a
interpretar historicamente as Escrituras. A respeito disso escreveu Philip
Schaff:
Interligadas com as profecias aparecem as teorias de Joaquim sobre o
desenvolvimento da história. A era do
Antigo Testamento teve seu auge e vigor e da mesma forma o Novo Testamento. Mas
uma terceira era haveria de surgir. A base para esta teoria dos três períodos
pode ser encontrada na comparação do
Antigo e Novo Testamento que revela o paralelismo entre os períodos da história
do povo de Israel e os períodos da história da igreja. Tal paralelismo foi-lhe
revelado numa noite de Páscoa e veio-lhe clara como a luz do dia.
A primeira das três Era foi a era do Pai, a segunda a do Filho – dos
Evangelhos e dos sacramentos, e a terceira, a era do Espírito Santo que ainda
haveria de vir. As três épocas eram representadas por Pedro, Paulo e João. A
primeira a era da Lei, a segunda a da graça e a terceira de mais graça. A
primeira ficou caracterizada pelo medo, a segunda pela fé e a terceira marcada
pela caridade. A primeira foi a era dos servos, a segunda dos libertos, e a
terceira dos amigos. A primeira trouxe água, a segunda vinho e a terceira óleo.
A primeira foi a era dos casamentos e corresponde à carne; a segunda a dos
sacerdotes, com os elementos de carne e Espírito mesclados; a terceira a dos
monges, e era deveria ser completamente espiritual. Cada uma destas épocas
tinha um começo, uma maturidade e um fim. A primeira começou com Adão e teve
seu pico de maturidade em Abraão. A segunda começou nos dias de Elias e teve
sua maturidade em Cristo. A terceira começou nos dias de São Benedito no sexto
século. E sua maturidade estava acontecendo nos dias do próprio Joaquim. O
cumprimento teria início em 1260 (Philip Schaff Vol. V p 184).
Joaquim não era um sectário nem reformador, e costumava ser enérgico contra
os vícios de Roma, e, como diz Schaff “era um místico vidente que estudava a
Bíblia com muita paciência, e via no futuro a perfeita realização da Igreja
espiritual, fundada por Cristo, livre dos formalismos e das disputas sangrentas
pelo poder”. Anos depois vários religiosos sofreram por manter e defender os
ensinamentos desse profeta, entre eles Gerardo de Borgo San Domino que escreveu
precipitadamente um tratado intitulado Introdução
ao Evangelho Eterno em que expunha os ensinamentos de Joaquim, declarando
que os escritos de Joaquim eram, por si mesmos, o código do evangelho eterno, e
que tinha a autoridade para a terceira era, assim como o Antigo e Novo
Testamentos eram autoridades para as eras do Pai e do Filho. Tal fato gerou
muita perseguição por um dos inimigos dos franciscanos, Willian de Sto. Amour e
redundou na prisão de Gerardo que veio a falecer em sua masmorra dezoito anos
depois.
Em 1263 o sínodo condenou os escritos de Joaquim que foi, por assim
dizer, o profeta do milênio da idade média.